Restaurante de Beira de Estrada: Entre o pó da estrada e o café da Dona Jaci
Era para ser só mais um domingo. Aqueles típicos dias de estrada, saindo de Sorriso rumo a Santarém (PA), para carregar um lote de fertilizante russo. A BR-163 me esperava como sempre: esburacada, poeirenta, e com aquele cenário desafiador — bem daquele jeito que você vê nos vídeos, com pedras soltas, lama, e o tempo nublado parecendo espelhar o peso da jornada.
O som no caminhão era Robin Zander, tocando “In This Country”, trilha imortal do filme Falcão – O Campeão dos Campeões. Quem é da boleia entende: essa música fala diretamente à alma do caminhoneiro. É hino, é bandeira, é combustível emocional. Representa a força de quem move as engrenagens invisíveis da economia — os monstros da estrada, como costumo chamar.
Na última vez que escrevi, falava sobre o “tarifaço” e o pandemônio que ele ainda traria para o Brasil. Acertamos — e o caldo, de fato, engrossou. Mas hoje, deixo a economia de lado. O que quero contar é mais simples, mais humano… e mais inesperado.
Estava entre Belterra e Santarém quando achei um ponto de apoio pra descansar. O corpo já pedia trégua e a alma, aquela conversa íntima com Deus. Dormi como Orfeu em seu encantamento, e ao despertar, como sempre faço, agradeci: pela proteção, pela minha família, pelos caminhos que ainda tenho pela frente.
A barriga roncava e o café parecia um chamado divino. Olhei em volta e avistei uma casa com janelas de ferro, vitrais opacos, uma porta pesada — daquelas que só os estabelecimentos comerciais antigos têm. Em cima, uma placa já apagada com a palavra “RESTAURANTE”.
Fui me aproximando e entrei. A cena era tranquila: uma criança vendo TV, pão sobre a mesa, café passado, margarina, mortadela. Os aromas me puxaram como um ímã. Havia um casal na mesa principal, me observando com um misto de surpresa e silêncio cúmplice. Eu, com minha fome de estrada e corpo atlético de 1,75m, sentei e comecei a comer.
Quatro sanduíches depois e três cafés passados na hora, reparei que os olhares estavam… curiosos demais.
Resolvi perguntar:
— Aqui é um restaurante, né?
A senhora, com um sorriso acolhedor e um olhar generoso, respondeu:
— Não, meu filho… não é, não. Há muitos anos deixou de ser.
O senhor ao lado dela completou, rindo com os olhos:
— Já foi sim, mas hoje é só nossa casa mesmo.
Naquele momento, o chão poderia ter se aberto. Meu rosto queimava de vergonha. Pensei em me esconder dentro da cabine do caminhão ou sair correndo, disfarçando o constrangimento. Mas eles riram. Riram com bondade. Dona Jaci e seu Adilson, como me apresentei a eles depois, contaram histórias da antiga movimentação da estrada, dos tempos em que aquela casa recebia muitos viajantes. E, com o mesmo carinho com que me acolheram sem saber quem eu era, me fizeram sentir parte daquelas memórias.
Saí dali com o coração cheio, mas também com um aprendizado que nunca mais esqueci: antes de sentar à mesa, pergunte se a casa ainda é restaurante.

Mais que um restaurante
Às vezes, é preciso errar o caminho para encontrar um gesto de humanidade. Em um mundo onde tudo é tão corrido, onde a estrada engole sentimentos e a rotina endurece o peito, momentos como esse nos lembram que ainda existe gentileza gratuita. Dona Jaci e seu Adilson poderiam ter me expulsado ou se ofendido. Mas ofereceram café, sorriso e memória.
A estrada ensina, mas só aprende quem escuta. E naquela manhã, entendi que nem todo restaurante precisa estar aberto pra servir o que realmente alimenta: o acolhimento, ou seja o amor.
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